Julia, 05 anos, e Julia, 14 anos, são duas jovens em idade escolar na região do ABC e amigas da família, entretanto as semelhanças param por aí. A Julia, 05, está em fase de alfabetização e estuda em uma pequena escola infantil particular. Durante o período de quarentena as aulas da pequena têm sido pelo Zoom e foram encurtadas – uma hora três vezes por semana, para respeitar o tempo de atenção dos pequenos. Ainda assim, dentro do possível todas as outras atividades foram mantidas o que significa que ela faz ballet, participa de festinhas e segue com os exercícios de sala de aula. A maior preocupação é que nesse momento de alfabetização um acompanhamento mais próximo dos professores seria necessário para facilitar correções.
A Júlia, 14, está no nono ano em uma escola estadual e se prepara para encerrar um ciclo escolar e iniciar o ensino médio. Desde abril, as aulas da rede estadual do Estado de São Paulo são transmitidas por plataforma online e pela rede Cultura para todos os alunos do mesmo ano, seguindo uma grade horária. O fórum que fica disponível durante a transmissão das aulas fica sobrecarregado devido ao número de estudantes acessando. Assim, as dúvidas são tiradas posteriormente em um plantão disponibilizado pela escola. Atividades físicas são propostas, mas acabaram perdendo espaço nesse momento.
O processo de adaptação das duas foi oposto. Enquanto a mais nova não teve nenhum problema com a nova rotina e se comunica muito bem com seus coleguinhas e professores; a mais velha se sente desmotivada e sente que não está obtendo o aproveitamento que deveria e, além disso, perdeu boa parte do contato com professores e colegas. A preocupação em ambos os casos é que se criem lacunas no aprendizado em momentos chave da vida escolar. Essas narrativas se repetem, basta conversar com pais e alunos das mesmas faixas etárias.
Os números também corroboram essa realidade na rede pública. Em maio apenas metade dos alunos estavam acessando as aulas online em São Paulo e a pesquisa Educação Não Presencial mostra que, segundo a percepção dos responsáveis apenas 50% conseguem perceber evolução no aprendizado e 46% consideram que os estudantes não estão motivados. E mais, 58% das famílias tem dificuldade em manter uma rotina para as atividades escolares em casa.
Então, quais são os fatores que levam as duas garotas e terem experiência tão distintas? Para começar, uma está na rede particular e a outra na rede pública e a primeira tem conseguido dar mais apoio a seus alunos devido aos recursos disponíveis. Entretanto talvez a diferença que mais chame atenção seja a faixa etária, o que significa que o aprendizado é diferente, mas também a fase de socialização. As aulas para a faixa etária da Júlia, 05, estão sendo mais curtas e o conteúdo é mais lúdico devido à fase do aprendizado. Por outro lado, para a faixa etária da Júlia, 14, o conteúdo é mais denso e exige nesse momento disciplina dos alunos.
O processo de socialização na escola – a formação da identidade
Bruna é uma educadora de ensino infantil na rede municipal em São Bernardo do Campo. Ela conta que apesar das dificuldades a mais que o sistema público enfrenta, alguns desafios são muito similares como a preocupação nessa fase de alfabetização e a preocupação em criar conteúdos específicos que cheguem aos alunos nesse momento e os permitam trabalhar seus sentimentos.
Entretanto, ela observa que há um problema comum, independente de faixa etária ou escola, os alunos não foram ensinados a desenvolver sua autonomia para que não se sintam presos a livros, aprendam a refletir e ter sua própria rotina dentro de um espaço reservado, processo que deveria extrapolar a vida escolar e ser estimulado de forma geral pela escola e família. E nesse momento, em particular, os alunos se beneficiariam de tais características. Dentro dessa lógica, o professor tem o importante papel de sistematizar e orientar o aprendizado, verificando que a proposta de ensino seja atendida. O ambiente escolar mantém seu papel como lugar organizado socialmente voltado para o processo de ensino.
Há ainda a questão da socialização, a escola é um espaço que proporciona um aumento das relações sociais desde a infância mediado pelos professores. O primeiro círculo social que criança vivencia é a família e aos poucos seu círculo social se expande e na escola ela vai se perceber como parte de um coletivo.
Por isso, a educação infantil tem um papel importante na educação afetiva, já que é nesse momento que a criança poderá vivenciar situações de convívio diferentes do contexto familiar que a permitam evoluir e conquistar sua autonomia. Por isso, a relação próxima entre alunos e professores – de cunho quase maternal, nessa fase se faz necessária, para que a criança aprenda a lidar com a realidade e constitua sua identidade.
Conforme a criança cresce, já no fim da infância e começo da vida adulta, a família deixa de ser o círculo social primário e outros agentes passam a ter mais relevância nesse processo de socialização, como a escola, os amigos e até mesmo a mídia. É o momento que o indivíduo começa a olhar para o mundo e a nova realidade social que ele está inserido.
O que acontece, então, é que durante a pandemia esses processos são descontinuados e mais do que isso, a falta de autonomia prejudica a absorção do conteúdo. No caso da Júlia, 05, não é tão perceptível, a final de contas ela ainda está na fase de conquistar sua autonomia. Enquanto a socialização ainda é estimulada através de outras atividades, o vínculo próximo com seus professores fica dificultado, como nota sua mãe. Em compensação, no caso da Júlia, 14, a diferença é mais notável, pois já é esperada uma autonomia que não foi desenvolvida o que gera uma desmotivação nos estudos. Além disso, ela está em um momento diferente e o seu espaço de socialização foi, pelo menos temporariamente, reestruturado voltando a ser primariamente sua casa.
Colunista da Aplitech Foundation
Mariana Tabossi – Sou formada em Relações Internacionais com mestrado em Política Econômica Internacional pela King’s College e assim como um sábio disse uma vez eu não acredito que sou jovem o suficiente para achar que sei tudo (atribuído a Oscar Wilde), por isso continuo buscando conhecimento como forma de aprimoramento pessoal e profissional.