O dr. Freud achava que o grande objetivo da psicanálise seria resgatar o paciente de um estado de miséria neurótica, no qual seu sistema nervoso encontra-se profunda e frequentemente abalado, para outro de infelicidade trivial – no qual se reconhece que as agruras da vida não são sintomas de uma doença passageira, mas parte da própria condição humana.
Assim sendo, além de não poderem ser simplesmente eliminadas (sim, precisamos conviver
com elas), as asperezas da vida fazem parte do processo de construção do nosso caráter:
aprende-se a lidar com elas com a máxima serenidade possível e a valorizar intensamente os
breves e transitórios momentos de alegria que o cotidiano nos proporciona.
Não obstante, em momentos de profunda gravidade, nos quais o destino de milhões de pessoas ao redor do mundo parece ameaçado, torna-se muito mais difícil manter a serenidade ou mesmo alguma dose de sobriedade. A situação de emergência sanitária global desencadeada pela Covid-19, doença causada por um novo coronavírus identificado como Sars-Cov-2, é obviamente uma dessas ocasiões.
Há imensa preocupação e mobilização por parte de todas as autoridades públicas sensatas (e felizmente elas são maioria) para: 1) evitar que um número impraticável de pessoas adoeçam e precisem ser hospitalizadas ao mesmo tempo, colapsando mesmo sistemas de saúde bem estruturados; 2) atenuar os efeitos negativos que a paralisação ou mesmo a diminuição das atividades irão causar na economia mundial.
E quanto a nós, cidadãos comuns, o que podemos fazer?
Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que a dispersão do número de casos no tempo
(o tal achatamento da curva de transmissão) não pode ser alcançada sem a colaboração de
todos: o maior número de pessoas possível deve permanecer em casa e redobrar os
cuidados com a higiene pessoal e do ambiente à sua volta. Aqueles que podem permanecer
em casa (trabalhando ou não) precisam fazê-lo também para compensar aqueles que não
podem (médicos, enfermeiros, agentes de saúde, balconistas de farmácia, operadores de
caixa de supermercados e demais funções essenciais).
Em segundo lugar, é preciso levar em conta que aqueles que terão o privilégio de poder permanecer em casa durante as próximas semanas (ou meses) precisarão aprender a lidar com problemas novos relacionados à economia psíquica, já que suas rotinas serão profundamente transformadas. Mesmo para quem estiver trabalhando em casa, será preciso decidir o que fazer com o tempo livre que antes era preenchido por deslocamentos, reuniões, happy hours e demais distrações rotineiras.
Para quem for passar esse período em casa sem trabalhar ou estudar, o desafio tende a ser ainda maior: as semanas de tempo livre precisarão ser preenchidas de alguma maneira, caso contrário o tédio poderá se tornar insuportável. Nesse caso, portanto, a necessidade de decidir como utilizar o tempo livre é ainda mais premente.
A repetição do verbo decidir nos dois parágrafos anteriores foi proposital, já que é disso (precisamente) que se trata. Decidir significa fazer escolhas e, como os estudos psicológicos não se cansam de mostrar, quanto maior o cardápio de opções, maiores as dificuldades envolvidas nesse processo. Em outros termos, quanto maior o número de alternativas na mesa, mais angustiante se torna o fato de ter de optar por uma delas – o que pode pavimentar o caminho para crises de ansiedade, pânico e paralisia.
Nesse sentido, as inúmeras iniciativas (todas muito bem-vindas, ressalte-se) de diversas empresas de compartilhamento e instituições de ensino de disponibilizarem os mais diversos conteúdos em plataformas digitais e com acesso gratuito pode ter efeitos adversos.
Com alguma hierarquização de prioridades, no entanto, será possível aproveitar as próximas semanas ou meses também para adquirir novos conhecimentos e habilidades: aprender a programar ou um novo idioma (Aplitech Foundation); fazer cursos (gratuitos e online) em instituições de ensino superior renomadas no Brasil (FGV) ou no exterior (Harvard); cursos de aperfeiçoamento (também virtuais e gratuitos) no SENAI…
Vou parar por aqui para não aumentar demasiadamente nossa ansiedade.
Colunista da Aplitech Foundation
Wellington Nunes
Cientista político. Atualmente participa de um programa de pós-doutoramento na Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde atua como professor e pesquisador.